A Crise Invisível das Forças Armadas Ucranianas: Entre o Desgaste Humano e o Colapso Operacional

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Imagem meramente ilustrativa, gerada por inteligência artificial.

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Três anos após a invasão russa, a Ucrânia enfrenta crise militar: esgotamento, baixas elevadas, evasão e deserções crescentes ameaçam o esforço de guerra; a mobilização é insuficiente para repor as perdas humanas.


Três anos após o início da invasão russa, a Ucrânia enfrenta uma crise silenciosa e profunda em sua estrutura militar. Se no início do conflito o país conseguiu mobilizar rapidamente cerca de um milhão de soldados, em 2025 a realidade é marcada por esgotamento humano, evasão crescente e um deficit operacional que ameaça a sustentação do esforço de guerra. O conflito, que se tornou uma maratona estratégica, cobra um alto preço não apenas em equipamento e território, mas sobretudo em capital humano.

Capacidade de Mobilização Versus Baixas

A capacidade atual de mobilização da Ucrânia é limitada. Estima-se que apenas alguns milhares de novos soldados sejam recrutados por mês, número insuficiente para repor as perdas acumuladas. Se formos considerar as fontes ocidentais, mais de 70 mil combatentes ucranianos foram mortos desde 2022, enquanto cerca de 100 mil feridos graves não retornaram ao serviço ativo. A isso somam-se mais de 48 mil desaparecidos, segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, além de milhares de prisioneiros de guerra. Tais dados indicam que o total de combatentes fora de ação ultrapassa 220 mil, enquanto a reposição mensal não cobre sequer as perdas correntes.

Mas importa destacar, no entanto, que esses números devem ser tratados com cautela. O governo ucraniano mantém sob sigilo rigoroso os dados sobre baixas militares, e as estatísticas oficiais divulgadas são frequentemente incompletas, inconsistentes ou politicamente filtradas. Essa falta de transparência compromete a credibilidade das estimativas disponíveis e dificulta uma avaliação precisa da real capacidade de combate do país. É possível que o número real de mortos, feridos e desaparecidos seja substancialmente maior do que o divulgado por fontes oficiais ou mesmo por organismos internacionais.

Escalada de Deserções e Abandonos de Posto

Esse quadro é agravado por uma escalada nos casos de abandono de posto e deserção. Dados divulgados pelo Escritório do Procurador-Geral da Ucrânia mostram que, em setembro de 2025, foram registrados 17.200 casos de abandono e 1.900 de deserção, totalizando quase 20 mil militares que deixaram suas unidades em apenas um mês (Gráfico 1). O gráfico oficial revela uma tendência ascendente desde o final de 2024, com picos sucessivos que indicam uma crise de moral e disciplina nas tropas.

A sobrecarga das unidades remanescentes, sem descanso adequado e sob pressão constante, alimenta um ciclo vicioso: quanto mais exaustas as tropas, maior a evasão, e menor a capacidade de recrutamento voluntário. A coesão interna se fragiliza, a confiança na liderança militar se deteriora, e o risco de colapso operacional em algumas frentes se torna cada vez mais real.


Gráfico 1: Número consolidado de processos penais decorrentes de deserção e abandono de posto, até setembro de 2025. Barras amarelas – deserção; Barras marrons – abando não autorizado de posto (Fonte: Escritório do Procurador-Geral da Ucrânia, texto em Ucraniano e grupo Slovo i Dilo).

Análise dos Dados Acumulados (2022-2025)

Desde o início da guerra em fevereiro de 2022, a Ucrânia acumula mais de 285 mil processos penais por abandono de posto e deserção, segundo dados do Escritório do Procurador-Geral e análises do grupo Slovo i Dilo. Foram cerca de 20 mil casos em 2022, 40 mil em 2023, e 60 mil até outubro de 2024. A partir de novembro de 2024, os números dispararam: com média mensal de 15 mil abandonos e duas mil deserções, o país acumulou aproximadamente 187 mil novos processos penais até setembro de 2025.

Esses números revelam uma ruptura profunda na coesão das forças armadas, agravada por desgaste físico, trauma psicológico e desconfiança institucional. A explosão de casos não tem sido compensada pela mobilização, que segue em ritmo lento e enfrenta resistência social crescente.

Baixa Adesão à Anistia dos Ausentes

Em resposta à crise, o governo ucraniano sancionou uma lei que oferecia anistia aos militares afastados, permitindo sua reabilitação, desde que retornassem voluntariamente aos seus postos.

A medida, no entanto, teve adesão limitada: apenas 29 mil soldados aceitaram a proposta até agosto de 2025. Diante do volume de evasões, esse retorno representa uma fração ínfima, incapaz de compensar a perda acelerada de efetivo.


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Considerações Finais

A Ucrânia vive um momento crítico em sua estrutura militar. A baixa taxa de mobilização, somada ao crescimento expressivo dos casos de abandono de posto e deserção, que já ultrapassam 285 mil processos penais desde 2022, revela um sistema sob pressão, com risco de erosão funcional. Quando somados aos mais de 70 mil mortos, 100 mil feridos graves, 48 mil desaparecidos, milhares de prisioneiros de guerra e os 285 mil casos de deserção e abandono de posto, o número total de combatentes fora de ação ultrapassa meio milhão de soldados, um número que, por si só, compromete a espinha dorsal da força de combate ucraniana e não pode ser compensado pela atual capacidade de recrutamento.

A tentativa de recuperar efetivo por meio da anistia aos ausentes resultou em apenas 29 mil retornos voluntários, número insuficiente frente à magnitude da evasão. A explosão de casos desde novembro de 2024, com média mensal de 15 mil abandonos de posto e duas mil deserções, evidencia uma ruptura progressiva na coesão das tropas, alimentada por exaustão física, trauma psicológico e desconfiança institucional.

Para enfrentar esse desafio, será necessário um esforço coordenado de reforma institucional, fortalecimento da liderança, apoio psicológico aos combatentes e maior transparência nas políticas de serviço.

Sem essas medidas, a capacidade de resistência e resposta militar do país pode se tornar insustentável nos próximos meses, comprometendo não apenas a defesa territorial, mas também a arquitetura de segurança europeia como um todo.

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